'As palavras são como os meus passos, cada frase será como uma pedra que deixo atrás de mim para não me perder no regresso.'

.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

sweet dream




naquela noite ela sentia-se ansiosa. tinha sofrido durante aquelas longas últimas duas horas, a escolher o vestido certo, o penteado certo. não queria parecer demasiado preocupada, demasiado óbvia. enquanto ele se preparava para tocar na campainha e ver o que o aguardava do outro lado, percebeu que teria de se acalmar, caso contrário iria demonstrar o seu nervosismo que acabava por ser quase ridículo. assim que a sua mão tocou levemente na porta, esta abriu-se repentinamente e ele sentiu um súbito arrepio percorrer-lhe o corpo. não, ela não era nem nunca seria óbvia, disso ele tinha a certeza. estava parada à porta, com um vestido azul que lhe caía delicadamente pelo corpo e o fazia indagar-se o que estaria para além daquele tecido macio que lhe cobria a pele, deixando apenas ver os seus braços e as suas pernas pequenas e maravilhosas. o cabelo estava solto e caía direito como a chuva, era uma mistura entre uma manhã de orvalho e o sol no final da tarde. aproximou-se para lhe beijar as faces e sentiu o seu perfume, o seu aroma. ela estava muito simples, os seus lábios não tinham batom e os seus olhos permaneciam frios e com uma expressão vazia.
-estás linda! - exclamou.
ela apenas ergueu as sobrancelhas e sorriu. parecia constrangida e quando ele lhe pegou na mão e a guiou até à mesa do restaurante que tinha escolhido, ela sentiu um estranho calor invadir-lhe o rosto. era uma jovem pura, inocente, sem nunca ter experienciado a natureza de um primeiro amor. durante o jantar, conversaram sobre música, livros, tudo aquilo que os casais conversam quando estão desesperados por descobrir todos os interesses em comum e em explorá-los a dois. era exatamente isso que ela sentia. naquele momento esqueceu tudo, todas as promessas que fizera de nunca prender o seu coração a um homem, conferindo-lhe o poder de a destroçar. e assim, perdendo-se nas palavras dele e no brilho dos seus olhos, ela apaixonou-se e não se repreendeu por isso; pelo contrário, deixou-se simplesmente levar por aquela maravilhosa, selvagem e quase irreal sensação do seu primeiro amor. ele conseguia partilhar todos os seus sonhos com ela, ela ouvia-o. o que ele queria, por mais insignificante que fosse parecia interessar-lhe. como ela o fascinava. naquele momento resolveu pôr de parte tudo o resto e desfrutou-a simplesmente. levantou-se:
-vamos embora? - perguntou ela.
-não, vamos dançar.-respondeu-lhe ele. o pânico instalou-se nela tão veloz e intensamente, comprimindo-lhe o peito.
- não, eu não posso. eu nunca dancei.
mas ele puxou-a levemente e disse-lhe ao ouvido:
- toda a gente dança. mexe-te, não importa como.
havia regras, ela acreditava fortemente nelas. no certo, no errado e em consequências e não se sentia pronta para as necessidades que ele suscitava nela. nem mesmo ele sabia se estava pronto. o corpo dele começou a mover-se contra o dela, transformando o medo que ela sentia num medo mais profundo mas mais íntimo. alguém a empurrou, fazendo-a cair aos pés dele, curva contra curva, calor contra calor. as suas mãos agarraram os ombros dele; ele tinha os olhos escuros e grandes fixando os dela, os seus lábios estavam entreabertos e a respiração ofegante. no meio de tantos odores ele apenas conseguia distinguir o dela. sentia que naquele instante tinha de a ter, nem que fossem só uns loucos segundos que na sua memória guardaria para a eternidade. levantou-a e puxou-a contra si até ela ficar em bicos de pés, sentiu-a inspirar rapidamente e começar a tremer. ele hesitou, esperou, adiando o momento, o desejo e a expectativa até estarem ambos completamente envolvidos. tocou então levemente com os seus lábios nos dela, suaves e macios. sentiu-se a invadir a boca dela, mas era como se sempre lá tivesse pertencido. ela não o queria largar, os seus braços estavam em redor do pescoço dele, abraçando-o. os seus suspiros eram quentes e suficientemente tímidos para falar em inocência. ele deixou-se levar em sinal de rendição e sentiu até uma estranha vontade de chorar com a descoberta. beijou-a de novo à porta de casa e desapareceu. ela deixou-se ficar ali, encostada à sua porta de madeira fria e austera, com a mão contra o peito sentindo o bater do seu coração acelerado. então era aquela a sensação de estar apaixonada, de ser desejada. deitou-se na cama a relembrar cada momento daquela imensa noite. ela acreditava nas tais regras, mas seriam elas válidas agora, quando ela se encontrava naquele estado que a fascinava e maravilhava a cada instante? saboreou aquela sensação uma vez mais, depois as suas pálpebras fecharam-se e ela adormeceu.

Sem comentários:

Enviar um comentário

whishes